Pesquisar este blog

quinta-feira, 29 de março de 2012

Loco Bielsa e a transformação do Athletic Bilbao


Chamado pelos torcedores de catedral do futebol, o estádio San Mamés tem desde julho do ano passado um novo “bispo” no comando que está ajudando um time a se reerguer depois de anos como coadjuvante e um quase rebaixamento na temporada 2006-07. Argentino e com fama de louco, o técnico Marcelo Bielsa tem feito milagres com o Athletic Bilbao e conduzido o time do País Basco a uma de suas melhores temporadas nas últimas décadas.

Loco Bielsa assumiu o clube poucos meses depois de deixar a seleção chilena, em fevereiro do ano passado. Em menos de um ano, o time que era mais conhecido no resto do mundo por ser aquele que só aceita jogadores bascos em seu elenco e por nunca ter sido rebaixado na Espanha junto com Barcelona e Real Madrid, passou a sonhar alto. O Bilbao hoje está na final da Copa do Rey, competição em que enfrentará o Barcelona, no dia 25 de maio, no estádio Vicente Calderón, em Madri, ainda sonha com um lugar na Liga dos Campeões da Europa da próxima temporada (está em 11º lugar com 38 pontos, a nove do Málaga, último clube na zona de classificação do torneio) e busca o seu primeiro título europeu na Liga Europa. Nas quartas de final do torneio, o Bilbao vai enfrentar nesta quinta-feira o Schalke 04, em Gelsenkirchen. O jogo da volta está marcado para a quinta-feira da semana que vem.

O objetivo do clube é voltar a disputar uma final europeia depois de 25 anos. A única vez que esteve em uma decisão do gênero foi na Copada Uefa (hoje chamada Liga Europa) da temporada 1976-77, quando o clube foi derrotado pela Juventus.

Desde aquela competição que o Bilbao não chegava tão longe num torneio europeu quanto na edição deste ano. Um feito que já é histórico para os seus torcedores e a imprensa local, mas que Bielsa disse não ser possível mensurar.

- Comparar acontecimentos realizados em momentos tão distintos é sempre difícil porque eu tenho noção do que está acontecendo agora. É singular, mas eu não saberia como estabelecer diferenças e dar valor aos feitos – analisou Bielsa após a histórica vitória sobre o Manchester United no San Mamés.

O duelo contra a equipe de Alex Ferguson nas oitavas de final foi o que afirmou o clube como um dos destaques da temporada europeia e encheu os seus torcedores de orgulho. Além de ter ajudado a dar um novo patamar ao time em que se destacam os atacantes Fernando Llorente e Muniain, o meia Oscar de Marcos, o goleiro Iraizoz e o lateral Iraola. Até então, todos os clubes espanhóis eram considerados meros sacos de pancada de Barcelona e Real Madrid, mas a classificação da equipe de Bielsa, do Valencia e do Atlético de Madrid para as quartas de final, com a possibilidade de a decisão da Liga Europa ser toda espanhola – sem contar o possível duelo entre Barça e Real na Liga dos Campeões - mostrou que se os outros clubes do país estão muito atrás dos dois gigantes, na comparação com o resto da Europa a distância não é tão grande quanto se imaginava.

Milhares de torcedores viajaram até a Inglaterra para verem o Bilbao enfrentar o Manchester. No país de onde saíram, no século XIX, os fundadores do clube basco e a inspiração para a camisa em listras verticais vermelhas e brancas o time teve uma grande atuação no estádio que é apelidado de Teatro dos Sonhos e venceu de forma dramática por 3 a 2.

Era apenas o primeiro passo dado pelo time. No jogo de volta, a torcida novamente correspondeu e lotou o San Mamés numa grande festa. Do lado de fora do gramado, Bielsa a tudo observava com o seu casaco do clube e o estilo inconfundível de observar a partida agachado na beira do gramado. Por vezes voltava para o banco de reservas ou gritava com o time. No gramado, o Bilbao perdia muitos gols, mas ainda assim construiu uma vitória por 2 a 1 que foi mais do que suficiente para classificar a equipe e fazê-la ganhar elogios de ninguém menos do que Maradona.

- O Athletic Bilbao deixou o Manchester United em uma situação ridícula por duas vezes. Todos falam apenas do Barcelona, mas é preciso reconhecer o jogo do APOEL (clube cipriota que está nas quartas de final da Liga dos Campeões) e do Bilbao de Bielsa – afirmou o maior ídolo da história da argentina.

Bielsa agradeceu os elogios e disse sentir “especial idolatria por Maradona”. Respeito semelhante mostrou pela torcida do seu time. Acostumado à forma apaixonada com que torcem os torcedores sul-americanos, Bielsa não se mostrou surpreso com a cantoria dos bascos. Desde a sua chegada, o treinador entendeu o espírito do povo de adoração ao seu time, que representa mais do que uma equipe num campo de futebol, mas a afirmação de uma identidade cultural. Se o Barcelona é a voz da Catalunha, o Athletic representa o povo basco.

- Esses eventos não são novidade para mim. É um compromisso histórico dos torcedores e do clube. Uma marca que não podemos ignorar – disse Bielsa, que, diante dos bons resultados, já começa a ser cobrado para renovar o contrato.

- Não posso pensar nisso neste momento. Tudo será avaliado, mas no momento estamos em três competições e precisamos esperar elas acabarem – completou o treinador, chamado de Loco pela forma agressiva como costuma armar suas equipes, sempre jogando no ataque e valorizando a posse de bola.

A ansiedade pela conquista de um título em Bilbao se mede pelo tempo que a equipe não levanta uma taça. Embora tenha tido alguns sucessos nas últimas décadas como o vice-campeonato espanhol na temporada 1997-98 e o vice-campeonato da Copa do Rey na temporada 2008-09, o Athletic Bilbao não sabe o que é erguer uma taça desde a temporada 1983-84 quando conquistou os dois títulos pela última vez.

Como valoriza a prata da casa e se limita a ter apenas bascos ou descendentes de bascos em seu elenco, o time tem dificuldades de competir com verdadeiros esquadrões globais que a cada ano Real Madrid e Barcelona formam. Sem contar com os estrangeiros que enriquecem as demais equipes graças as facilidades trazidas desde o início da União Europeia. Além disso, até 2008, o clube não aceitava sequer ter patrocínio em sua camisa. Mas teve que macular o manto em nome da sobrevivência, embora as dívidas não sejam um problema resolvido nem para os poderosos do país.

Pelo menos as batalhas do Athletic hoje se limitam aos campos esportivo e financeiro. Durante a ditadura de Francisco Franco (1936 a 1975), o time teve que mudar de nome para Atlético Bilbao depois que o governo baniu o uso de todas as línguas diferentes do espanhol dentro do país. Por ironia, no entanto, este foi um dos períodos mais prolíficos do clube com a conquista de dois títulos nacionais e duas Copas do Rey, então chamada de Copa Del Generalisimo. Em 56, o clube fez sua estreia na Copa dos Campeões da Europa, mas acabou eliminado pelo Manchester United.

Foi durante parte deste período também que jogou o que talvez seja o maior ídolo da história do clube. Telmo Zarra envergou a camisa do clube basco entre 1940 e 1955, quando marcou 333 gols em352 jogos e conquistou uma liga espanhola e uma Copa do Rey. Com 38 gols marcados na temporada 1950-51, ele estabeleceu um recorde só quebrado na temporada passada por Cristiano Ronaldo, autor de 40 gols com a camisa do Real Madrid. 

Inspirado nas vitórias do passado (são oito títulos espanhóis e 23 Copas do Rey), o Athletic agora sonha em voltar a dar uma volta olímpica. O caminho da taça passa por Madri, mas antes disso tema ambição européia. Ela reinicia em Gelsenkirchen, mas Bielsa e seus jogadores querem mesmo é estar em campo no dia 9 de maio no Estádio Nacional de Bucaresti, onde será decidida a Liga Europa.

Pode parecer loucura, mas não é impossível para um treinador que conseguiu fazer a seleção chilena ser elogiada por ter o futebol mais bonito em um continente que tem Brasil e Argentina. De Loco, Bielsa só tem a fama.

Fundado por ingleses e estudantes bascos

Fundado em 1898, o Athletic Bilbao é, ao lado de Barcelona e Real Madrid, um dos únicos clubes que nunca foram rebaixados para a segunda divisão espanhola. Assim como o Barcelona, o time também é conhecido por ter uma boa divisão de base. Saíram de suas canteras, jogadores que estão se destacando na equipe hoje como Fernando Llorente, atacante campeão do mundo com a seleção espanhola, e o jovem Muniain, de 19 anos, que já foi campeão europeu sub-21 com a Espanha e foi convocado pela primeira vez para a seleção espanhola em fevereiro para um amistoso contra a Venezuela. 

Até 2008, o time era um dos poucos a não ter patrocínio na camisa. O Barcelona foi o outro time a se render ao patrocínio no ano passado, quando assinou o maior contrato da história do futebol com a Qatar Foundation. O Athletic Bilbao só contrata jogadores bascos ou com descendência basca. O venezuelano Fernando Amorebieta, por exemplo, só joga na equipe porque tem pais bascos, o que o fez ter o direito deter dupla nacionalidade (espanhola e venezuelana).

O futebol foi introduzido no clube no século XIX por dois grupos de jogadores: britânicos de um estaleiro da região e estudantes bascos que retornavam de escolas do Reino Unido. Oriundos de Sunderland, Southampton e Portsmouth, os trabalhadores foram os responsáveis por levar o jogo para a cidade que tinha um importante porto na época. Juntos, eles fundaram o Bilbao Football Club. Na direção oposta, estudantes bascos conheceram na Inglaterra a técnica do jogo e quando retornaram começaram a organizar partidas contra os trabalhadores britânicos. Estes estudantes fundaram em 1898 o Athletic Club.

Em 1902, os dois times se uniram em um combinado chamado Bizcaya para disputar a primeira Copa do Rey. E a equipe foi campeã derrotando o Barcelona por 2 a 1. O título foi decisivo para a união dos dois times num único clube chamado Athletic Bilbao.

Inicialmente o time usava uma camisa toda branca, mas a partir de 1909 adotaria o atual uniforme com listras verticais vermelhas e brancas por iniciativa de um estudante chamado Juan Elorduy. O jovem comprou 50 camisas do Southampton na Inglaterra depois de perceber que elas tinham as mesmas cores da cidade de Bilbao. Assim que chegou na cidade, a direção do clube adotou as novas cores.

O primeiro dos oito títulos espanhóis que o clube conquistou veio na temporada 1929-30. Foi numa campanha invicta depois de 18 jogos e em que o Bilbao teve o artilheiro da competição, Guillermo Gorostiza, com 19 gols.

Com o atacante Telmo Zarra na equipe, oB ilbao viveu um período de vitórias justamente numa era em que teve que mudar de nome por conta das imposições da ditadura de Francisco Franco.

O período vitorioso do Athletic se encerrou em 84, ano em que conquistou a Liga e a Copa do Rey pela última vez desbancando o Real Madrid e o Barcelona, respectivamente. Era o time dirigido por Javier Clemente que tinha como destaques o goleiro Zubizarreta, o zagueiro Goikoetxea, o meia Ismael Urtubi e os atacantes Estanislao Argote e Dani Ruiz.

Com o passar do tempo, o Athletic não conseguiu se manter competitivo mantendo a mesma política de usar jogadores da base e bascos enquanto os adversários cada vez mais montavam times com os melhores estrangeiros que o dinheiro pode comprar.

O clube até teve períodos de sucesso, mas nunca mais ganharia um título, algo que a torcida aguarda há quase 30 anos. Uma eternidade para o time que tem a terceira maior torcida do país, é o quarto maior vencedor de ligas nacionais e o segundo maior vencedor de Copas do Rey.

O fim do jejum pode estar nos pés da jovem equipe (o time titular tem média de idade de 23,8 anos) e nas mãos de Loco Bielsa.

Outros jogos desta quinta-feira pela Liga Europa: AZ Alkmaar x Valencia, Sporting Gijon x Metalist e Atlético de Madrid x Hannover.
(Post originalmente publicado no blog Planeta que Rola)

Nenhum comentário:

Postar um comentário