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domingo, 12 de fevereiro de 2012

Zâmbia e a sua vitória de cinema

O futebol (e por que não o esporte?) é sensacional por causa de histórias que volta e meia surgem e emocionam quem é fã do esporte independentemente de paixões clubísticas. Neste domingo, a seleção de Zâmbia foi a protagonista de um roteiro cinematográfico com final tocante bem ao gosto das grandes produções hollywoodianas com o título da Copa Africana de Nações por 8 a 7, nos pênaltis, após o empate em 0 a 0 no tempo normal e na prorrogação contra a Costa do Marfim.
Para entender é preciso voltar no tempo. No dia 27 de abril de 1993 um avião Buffalo DHC 5-D da Força Aérea do país saiu de Lusaka, capital de Zâmbia, em direção a Dakar, no Senegal, onde aquela que era considerada a grande geração do futebol zambiano jogaria pelas eliminatórias da Copa do Mundo dos Estados Unidos, em 1994. A rota previa três paradas para abastecimento. Primeiro no Congo, depois no Gabão e por fim na Costa do Marfim antes de chegar no Senegal.
O avião nunca sequer chegaria a Abidjan, capital marfinense. Quando sobrevoava Libreville, uma falha provocou um incêndio e a queda da aeronave numa praia da capital gabonesa matando 18 jogadores e a comissão técnica de Zâmbia. Era o fim do sonho americano numa das maiores tragédias da história do futebol.
Capitão daquele time e grande nome da seleção, Kalusha Bwalya não estava no voo porque jogava pelo PSV e sairia da Holanda direto para o Senegal. Coube a ele liderar uma heroica e totalmente reformulada seleção no ano seguinte ao vice-campeonato da Copa Africana. Mas a derrota para a Nigéria por 2 a 1 não era o ponto final dessa história.
Dezenove anos se passaram desde o acidente. Aposentado, Bwalya, agora presidente da Federação de Futebol da Zâmbia, levava o seu país para uma Copa Africana que já era surpreendente por não contar com nomes como Egito, Camarões e Nigéria. Mas sua equipe era, perdão pelo clichê, uma zebra num torneio em que despontavam como favoritos para decidir o título Gana e Costa do Marfim e tinha um Senegal correndo por fora.
No comando do time que tem apenas um jogador de um clube de primeira divisão da Europa – o jovem Mayuka, de 21 anos, do Young Boys, da Suíça – o francês Hervé Renard. Aos 43 anos, com pinta de ator de filme francês, Renard voltava a comandar a seleção após dirigir sem muito sucesso Angola em 2010 e uma passagem rápida em 2011 pelo USM Alger, da Argélia. Desconhecido no mundo do futebol, o ex-zagueiro cujo momento mais marcante na carreira foram os sete anos jogando no Cannes, nunca conquistara um título, mas apostou numa equipe jogando um futebol um pouco, digamos, mais “moleque”, como as seleções africanas de antigamente e em talentos como Mayuka e o capitão Christopher Katongo, de 29 anos, para decidir. A escolha não poderia ter sido mais acertada. Os dois marcaram juntos seis gols (três de cada um) e terminaram a Copa Africana como artilheiros ao lado de outros cinco jogadores. Katongo ainda foi eleito o melhor jogador da competição.
Zâmbia eliminou um a um os favoritos ao título. Primeiro passou como líder do grupo A com direito a uma vitória sobre Senegal por 2 a 1. Grande decepção do torneio, os senegaleses de Moussa Sow e Demba Ba foram eliminados na primeira fase. Nas quartas de final, uma tranquila vitória sobre o Sudão por 3 a 0.
Era chegada a hora da semifinal. O jogo contra Gana no estádio de Bata, na Guiné Equatorial, foi tenso. E poderia ter sido vencido pelos ganeses se não fosse o pênalti perdido pelo astro do time Asamoah Gyan. No segundo tempo, Mayuka fez o gol em praticamente o único lance de ataque que Zâmbia teve e classificou sua seleção para a final.
A decisão traria de volta as lembranças da tragédia. Pela primeira vez Zâmbia jogaria em Libreville, no Gabão. Os jogadores visitaram a praia onde a seleção de 1993 morrera e Hervé Renard usou todo o componente emocional para motivar ainda mais o seu time. Disse que estava escrito que Zâmbia seria campeã e que o time jogaria pelos mortos daquele acidente aéreo.
Se deu certo ou não, não sei dizer. Mas Zâmbia fez um jogo gigante contra a Costa do Marfim na decisão. A torcida estava claramente a seu favor, talvez sensibilizada pela história do país ou pela natural tendência em torcer para o mais fraco. Afinal, do outro lado havia o time de dos astros Drogba, Kalou, Kolo Touré e Yaya Touré, todos jogadores de destaque no futebol europeu.
Mais uma vez Zâmbia viu o rival ter um pênalti contra. Mais uma vez o astro da vez foi para a cobrança. A bola de Drogba foi parar longe e manteve viva a esperança do time e do país de conquistar o seu primeiro título. Mas era preciso passar pelos 90 minutos do tempo normal, por mais 30 minutos de prorrogação e um total de 16 cobranças de pênalti até que Sunzu fizesse o gol da vitória. Antes Gervinho isolara uma cobrança diante do goleiro Mweene.
Zâmbia era finalmente campeã. Finalmente e de forma emocionante se coloca na galeria dos campeões africanos depois de duas bolas na trave em 1974 e 1994. E o seu roteiro está pronto. Só falta filmar.
(Post originalmente publicado no blog Planeta que Rola)

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