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O atacante Sílvio, do Alunorte Rainforest. Destaque do time do Pará - Marcelo Alves |
Antes de defender a seleção brasileira em duas Copas do Mundo (1998 e 2006) e virar ídolo no futebol alemão, um então jovem lateral-esquerdo de apenas 13 anos, encantou noruegueses e turistas nos gramados da Norway Cup, que se encerrou na semana passada. Com um talento acima do comum, o garoto Zé Roberto ajudou o Pequeninos do Jockey, time de São Paulo onde começou a jogar, a conquistar o título de 1987 na sua categoria.
- Muita gente diz que ele foi o melhor jogador que já passou por aqui – lembra José Guimarães Júnior, fundador do clube que acumula 18 títulos do torneio de Oslo e outras 139 conquistas internacionais.
- Ele era muito bom. Só que naquela época, era conhecido por outro nome. O apelido dele era Nêga Véia – recorda, rindo, o presidente do Pequeninos do Jockey.
Nêga Véia brilhou naquela temporada de 1987, quando marcou 23 gols nas disputas da Helsink Cup, na Finlândia, onde o Pequeninos foi vice-campeão, da Dana Cup, na Dinamarca, da Gothia Cup, na Suécia, e na Norway Cup. Só no torneio de Oslo, foram quatro gols que ajudaram o time a ser campeão.
Agora são centenas de garotos que sonham em repetir a trajetória de Zé Roberto. O torneio que se encerrou no sábado com os brasileiros mais uma vez como protagonistas pode ser o início do sonho de muitos garotos bons de bola que brilharam na competição. Jogadores como o atacante Sílvio, do surpreendente time do Alunorte Rainforest, que conquistou o vice-campeonato da principal categoria da Norway Cup, a sub-16, na primeira final da história entre times brasileiros. O título ficou com o Karanba, projeto social criado pelo norueguês Tommy Nielsen no Rio de Janeiro.
Aos 17 anos (na Norway Cup, você pode escalar até dois jogadores acima do limite da idade), o atacante começou a jogar com quatro anos em Barcarena, interior do Pará. Na Noruega, foi o destaque do seu time e nem o pênalti perdido na derrota de 5 a 4, após um emocionante empate em 2 a 2 no tempo normal, o impediu de ser eleito o melhor em campo na final.
- O sonho de todo mundo aqui é ser jogador, mas se não der eu vou continuar estudando para me formar – diz Silvio, que está no 10º ano na escola e já sabe das dificuldades que encontrará para seguir jogando e tentar atingir o profissionalismo no futebol do Pará.
Se o Rainforest foi a surpresa, o Karanba monopolizou as atenções na Escandinávia, como já era esperado. Entre seis finais possíveis nos três principais torneios na Dinamarca, Suécia e Noruega com os times sub-20 e sub-16, a equipe disputou cinco. Foram três títulos, dois vice-campeonatos e esperanças renovadas para jogadores como o capitão Yuri e o meia Jhonata, ambos de 16 anos, que comandaram o meio-campo do time campeão, ou o volante Marcos e o atacante Wolf, destaques do time sub-20 vice-campeão da Norway Cup. Estes dois já fizeram testes em times noruegueses – Molde e Lyn, respectivamente -, mas não ficaram. Contudo, eles não desistem do sonho.
- Às vezes bate uma tristeza porque tudo o que eu quero é ser jogador de futebol. Não penso em outra profissão. Mas eu não vou desistir – garantiu Marcos, morador da Rocinha no Rio de Janeiro.
Enquanto o dinheiro do futebol não surge na vida de Marcos, ele trabalha como prancheteiro de táxi na Zona Sul do Rio para ajudar na renda da família. Wolf também trabalha no mesmo lugar. Ele esteve mais perto do que Marcos na realização do sonho, mas as passagens por São Cristóvão e Madureira só trouxeram frustração ao jovem de 18 anos. Após sofrer uma lesão no joelho, ele acabou deixando o tricolor suburbano. No Lynn, foi aprovado, mas uma crise financeira no clube o impediu de ficar.
- Cheguei a jogar a Colour-Line Cup (torneio de base) pelo Lyn e ia ficar. Mas no ano seguinte (2010) o time ficou endividado e acabou caindo (O Lyn decretou falência). Aí não pude ficar - lamentou.
Entre 30 mil atletas de 12 a 19 anos de 1.349 times, não é fácil se destacar entre mais de quatro mil jogos. E o funil do futebol é muito estreito e nem sempre premia os mais talentosos. Às vezes é preciso estar no lugar certo e na hora certa para brilhar. Sabendo que na maioria das situações, o futebol não vai passar de sonho, projetos sociais como os do Rainforest e do Karanba conciliam o esporte com educação para que, se o atleta não vingar, o cidadão brilhe em outros campos.
- A gente trabalha com jovens que estão buscando sonhos. Eu sempre digo para eles que o futebol tem um outro lado. Por isso é preciso aproveitar o que o Karanba oferece, como os cursos de inglês. Porque se o futebol não vier, ao menos eles vão ter uma profissão – afirma Sérgio Antunes, técnico bicampeão da Norway Cup pelo Karanba.
Enquanto isso, na vitória ou na derrota, os jogadores seguem sonhando com gramados mais famosos, loucos para repetirem a trajetória do “Nêga Véia”, que virou o respeitado Zé Roberto do Bayern de Munique e da seleção brasileira.
* O repórter viajou a convite da Embaixada da Noruega
(Post originalmente publicado no blog Planeta que Rola)
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