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sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Quando o gol realmente é um detalhe

A capitã do time do Cabul FC posa enrolada na bandeira do Afeganistão: orgulho para o time - Marcelo Alves
Uma das principais competições de base do planeta, a Norway Cup tem entre os seus 1.349 participantes, muitos times que se preparam o ano inteiro para serem campeões. Para o time feminino do Cabul FC, no entanto, participar do torneio em Oslo, na Noruega, já significou um título. Fundado há 18 anos pela persistência e o desejo de uma menina de jogar futebol em meio a um Afeganistão que ainda hoje vê o futebol feminino com preconceito, as 21 garotas entre 17 e 19 anos que formaram o primeiro time feminino do país a disputar o torneio tiveram que superar ainda as dificuldades para treinar e a dor da perda das famílias na guerra contra o governo talibã para entrarem em campo e defenderem as cores do time da capital.
- A gente tem muito orgulho desse time. Elas mostraram que são fortes, deram o melhor de si aqui para defenderem as cores do Afeganistão – conta Zakiqa Rahmaii, após a derrota por 6 a 1 para as norueguesas do Tjalg, que selou a participação do Cabul na competição em que o time já perdera para o Bryne (8 a 0) e o Frigg Oslo FK (2 a 0).
Zakiqa é uma espécie de faz tudo para dar suporte ao time afegão. Atua como tradutora, conversa com jornalistas, carrega bolas e torce. Torce apaixonadamente como todos os afegãos que estiveram presentes no campo 20 num dos jogos mais concorridos da primeira fase da Norway Cup. A presença de dezenas deles se explica nas estatísticas de imigrantes na Noruega. Oslo tem pouco mais de 2.500 afegãos, muitos deles refugiados de guerra.
Um deles é Kwalidei Gopail. Capitã do time do Cabul, ela deixou o Afeganistão há dois meses ameaçada de morte por pessoas contrárias ao futebol feminino. Ela diz que dirigentes esportivos locais, dentro até do comitê olímpico, não querem que as meninas joguem. Embora o o futebol esteja se popularizando entre as meninas no Afeganistão, Kwalidei afirma que a mentalidade de quem comanda o esporte no país ainda é muito atrasada.
- Jogar futebol no Afeganistão é uma batalha diária. É muito difícil. Você arrisca a sua vida para treinar e para jogar, vê pessoas tentando subornar meninas e famílias... Lá o futebol é visto como esporte de homem e mulheres não deveriam jogar. Isso desperta ciúme e inveja das pessoas. Mas o nosso papel é encorajar as jogadoras a lutarem sempre e continuarem jogando – afirma.
O técnico do Cabul homenageia as meninas no seu discurso - Marcelo Alves
Kwalidei respira fundo, abaixa a cabeça e não consegue esconder a tristeza ao lembrar da família que morreu na guerra. Ela não é a única. Praticamente todas as meninas ali conhecem a dor da perda de um parente e a mínima lembrança disso transforma os semblantes do time, torcedores e familiares presentes.
Mas o choro coletivo logo se reverte em alegria com o discurso do técnico improvisado para a competição.
Enquanto o treinador das meninas era impedido de viajar por causa de problemas para conseguir o visto, Khalida Popal assumia o papel de técnico, pai e amigo das jogadoras. Num discurso ali do lado de fora do campo, ele disse estar orgulhoso da participação do Cabul no torneio. Uma a uma, homenageava cada jogadora citando o nome e pedindo que as aplaudissem. Foram apenas 15 dias de contato com as meninas para preparar o time para o torneio. A vitória não veio e apenas um gol foi marcado, mas de certa forma o objetivo tinha sido alcançado.
- É muito difícil para elas deixar as famílias e vir aqui jogar, mas elas querem mostrar que as meninas podem jogar futebol. Elas querem mostrar ao mundo que o país também é delas – afirma a Kwalidei, antes de se despedir das suas companheiras de time.
- Eu estou feliz e me sinto orgulhosa de ter participado de um torneio tão grande. Temos sorte de termos participado de um dos maiores torneios do mundo – completa a capitã.
Enquanto isso, o futebol continuará sendo uma válvula de escape para as garotas afegãs.
- Os homens ainda têm muitas coisas para escolher (para trabalhar). Para a mulher, o futebol é a saída. Muitas vezes não podemos sequer sair de casa sem a companhia de um homem. O Afeganistão está mudando, mas a situação por lá ainda é difícil. Ela sempre é difícil – conclui Zakiqa.
(Post originalmente publicado no blog Planeta que Rola)

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